3 de mai. de 2020

Iniciação à Umbanda - Resenha de Livro



Sabem aqueles livros antigos que você do nada descobre que saiu uma edição novíssima e você não pode perder? Foi assim com o livro Iiniciação à Umbanda, de Dandara e Zeca Ligiero. 

Se trata de um volume lançado inicialmente no ano 2000, eu conhecia o autor por outro livro dele chamado Iniciação ao Candomblé, que achei muito didático e instrutivo. 

Este relançamento não possui mudanças no texto, apenas adaptação ao novo acordo ortográfico, o que é interessante porque você saberá como a obra era tal e qual, porém, também tem seus pontos negativos porque o autor pode ter estudado muito mais coisas, adquirido mais conhecimentos e acaba por não atualizar.

Enfim, a Editora Pallas está de parabéns pelo trabalho, é primoroso e luxuoso, a capa super confortável de pegar. Infelizmente identifiquei um pequeno erro na pag. 156, faltou colocar o título do tópico destinado aos preto-velhos, mas nada que desmereça, vale a pena ter na estante. 

Sobre o conteúdo do livro em si, me surpreendeu a profundidade da pesquisa bibliográfica empreendida pelo autor. A gente espera um texto simples com tópicos genéricos de introdução à religião pelo título e recebemos um conteúdo de nível acadêmico, porém, com linguagem simples e acessível. 

O livro tem esse notável mérito de apresentar uma pesquisa com muitas fontes para o leitor. Diferente da maioria dos textos introdutórios onde o autor repassa sua visão pessoal, muitas vezes recebida de forma oral e o leitor acaba com várias ideias conflitantes na cabeça após ler vários livros de tradições diferentes. 

Pesquisas de estudiosos nacionais e internacionais vão sendo apresentadas enquanto conceitos complexos são exposto e você acaba com uma visão bem clara sobre muitos elementos da religião. 

O ponto alto do livro com certeza é a exposição que o autor faz da tradição Banto/Congo para a Umbanda e as religiões afrobrasileiras em geral, tradição tão menos conhecida que a Yoruba (que nos legou os orixás da Umbanda) mas que trouxeram o estilo de trabalho, a pemba, os pontos riscados, entidades como a Bombogira, dentre tantas outras coisas que o Umbandista comum muitas vezes ignora. 

Entretanto, a meu ver, ao chamar atenção para essa ignorância quanto à tradição Congo, o autor acaba por subestimar a herança indígena da Umbanda. Ele demonstra que muitas coisas que consideramos tipicamente indígenas já estavam presentes na tradição que os negros do antigo Reino do Congo trouxeram ao Brasil. Acontece que, como nordestino que sou e adepto de Umbanda e Jurema Sagrada, a herança indígena para mim é muito marcante, bem como para muitos adeptos que tem enorme carinho por entidades de Umbanda oriundas da Jurema, como a própria Cabocla Jurema, seu Zé Pelintra, Zé Sibamba, dentre outros. 

Considerando que o autor basicamente se dispõe à expor as entranhas da Umbanda carioca, não debruçando-se sobre as tradições nordestinas, é uma falha compreensível, ou sequer é uma falha, mas acho importante chamar atenção para tal ponto porque, eventualmente, um leitor desavisado pode considerar que Umbanda não tem nada de indígena porque o intercambio de práticas espirituais entre dos nossos índios com as outras raças se deu de forma mais forte no Norte e Nordeste que nas outras regiões do país. 

Também gera um pouco de incômodo o autor chamar de "mito" a clássica história da fundação da Umbanda por parte de Zélio de Morais, cuja linha de trabalho é chamada de "Umbanda Católica". Embora como tudo mais no livro seja racionalmente explicado, a gestação deste termo "Umbanda" se deu a partir do grupo formado por Zélio, se expandindo e sendo hoje como uma grande mãe onde diversas tradições com inclinações mais católicas, mais kardecistas, mais indígenas e/ou mais africanistas se reúnem sob um mesmo manto de amor.

Embora o próprio Zélio nunca tenha se proposto a ter qualquer propriedade sobre o termo Umbanda, nem o grupo espiritual que ele deixou, que existe até hoje conduzido pela sua família, nomes tem poder, portanto acho importante ressaltar que este nome foi criado ali naquele grupo, se expandindo e denominando dezenas de outros grupos diversos de modo que hoje não podemos reduzir Umbanda  a nenhuma tradição e se considerarmos a Umbanda tal qual é praticada, é impossível dizer que alguém fundou esta UMBANDA como um todo. Entendo que é a isto que o autor se refere, portanto, não há nenhuma má intenção na forma como ele expõe. Na verdade, ele está certo, se considerarmos que ele fala dessa universalidade que hoje temos. Da mesma forma que humildemente considero estar certo, e não estou sozinho nessa, em separar o joio do trigo dando a Zélio o que é de Zélio.

É isso, excelente dica de leitura, iniciei na noite de um dia e terminei na manhã seguinte. Deveria ter na biblioteca de todo Umbandista zeloso. A bibliografia cuidadosamente destacada com máximo zelo é um espetáculo a parte e abre a mente para novos horizontes caso o leitor queira se aprofundar em algum tópico específico. Foi o meu caso, já estou lendo outro livro, bem como assisti uma palestra para esclarecer pontos que o autor levanta e aguçou demais a curiosidade.

Por fim, eu sei que são dois autores, mas escrever tudo falando apenas autor facilita demais. Obrigado, então, aos autores, Dandara e Zeca Ligiéro por este primor, bem como à editora Pallas por relançar esta importante obra e ainda ter tanto zelo nos materiais, diagramação, tudo.










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