Livrai-nos de todos os males ó pai... Dai-nos hoje tua paz...
Hoje eu rezo sozinha meu terço de sementes de oliveira. Uma velha freira no alto da torre de uma imensa catedral repleta de adornos dourados. Quando jovem, via Deus no brilho do ouro. Hoje sinto nesse templo apenas um vazio tão grande quanto aquele que segue dentro de mim. As rugas na minha face se contraem mais ainda e lágrimas escorrem por meu rosto: que fiz de minha vida? Porque não consigo mais sentir tua presença aqui? As imagens que antes eram a face dos anjos e santos me observando, agora são apenas imagens. As velas que eram a luz de Deus guiando meus passos, agora não passam de velas. Vejo que não dá para se manter cheia de graça após ver o que vi. Se tu existes, perdoe meu ato. Um minuto de dúvida para mim é pior que a eternidade nas chamas. Pulo.
Ajudados pela tua misericórdia...
- Existem várias formas de servir a Deus meu filho. – Falou o padre para um de seus alunos de catecismo.
O garoto nada respondia, apenas o olhava fixamente.
- Algumas pessoas escolhem a forma que irão servir, outras Deus mesmo escolhe por elas.
- Qual delas você quer ser? Quer ser um escolhido de Deus?
Mais uma vez o garoto nada falou.
- Sei que você não pode responder filhinho, mas pelo menos não me olhe com esse ar de medo, eu não sou mal, quero apenas o seu bem, sou a ponte entre você e Deus. Conduzirei você até ele.
A criança o olhava, lágrimas silenciosas agora escorriam de sua face.
O Padre então fez o sinal da cruz, pegou seu punhal, passou a língua na lâmina como para sentir o sabor, observou mais uma vez o corpo ofegante do garoto amarrado na mesa de sacrifício improvisada no porão e desferiu o golpe fatal.
- Recebe senhor, em teu seio essa alma pura, que eu salvei das maldades do mundo. Se vivesse seria corrompido, mas eu o envio de volta para ti, e assim ele se torna um anjo. – Falou o padre ritualisticamente enquanto aparava o sangue da criança em uma taça e o levava à boca.
Que sejamos livres do pecado...
- Mas pastor, não posso mais mesmo? Nunca mais?
- Você está duvidando da palavra do próprio senhor? Não ficou claro nas escrituras que só uma vez deve casar o homem? Que se relacionar com outra mulher é cair em pecado? E cair em pecado é ser lançado no inferno?
- Ficou claro sim, pastor, desculpe.
- Então vá para casa descansar,entregue-se ao Senhor que ele sabe melhor que você o que é melhor para sua vida.
A esposa havia fugido com outro, astúcias do inimigo. E agora ele estava condenado a passar o resto da vida sem uma mulher. 6 meses que ela fugira. 4 filhos para criar. 3 aluguéis atrasados. 10 minutos para ocorrer uma tragédia. Após finalmente perguntar ao pastor se não podia procurar o carinho de outra, ele chorou. Onde havia errado? Que deixara de dar à esposa para ela abandoná-lo dessa forma? E ainda mais com todos os filhos.
Não havia mais o que pensar, pegou a faca mais afiada da cozinha, dirigiu-se ao banheiro, despiu-se totalmente e por fim se mutilou. Ele não mais iria pecar, não mais.
Protegidos de todos os perigos...
- Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do espírito santo. – Falou o padre jogando água sobre a cabeça da pequena menina. Seus pais a seguravam e a mãe chorava de emoção. Ao termino a garotinha sorriu e a mãe colocou um terço de sementes de oliveira ao seu pescoço.
- Meu milagre de Deus, minha filhinha. Será uma grande serva do senhor e rezará nesse terço durante toda a sua vida.
Enquanto vivemos a esperar... Tua vinda...
O vento forte bateu contra meu rosto. O vento me lembrava liberdade. Meu corpo era então uma pluma solta no ar sem destino. Eu vôo, pelo ar e por meus pensamentos, cruzo uma árvore de minha infância, e lá vejo os anseios que não alcancei, uma janela da adolescência me mostra tantos projetos inacabados. O primeiro beijo que não deveria ter ocorrido passa por mim como uma folha que flutuava ao meu lado. Tantas janelas, tantas coisas que vivi, deveria mesmo ter tido um fim? O fim, ele se aproxima, sinto isso, apesar de não vê-lo. Meu coração bate forte e me entrego à sensação de que nada mais posso fazer e então tudo se dissolve.
Quando retorno, não sou mais eu. Meus ossos estão espalhados pelo chão, e meu sangue escorre entre eles. Eu sou o sangue, eu sou os ossos, eu sou alma dilacerada e jogada naquelas pedras.
Eu que tão pouco falava. Uma palavra ou duas. Mas deixava que frases inteiras me saltassem dos olhos. Só Deus as lia, e quando não mais o senti foi como perder a única razão de existir. Que a amargura tenha sido varrida de mim, e que meus sorrisos não mais assustem a mim mesmo. Se aproxima a portadora da foice, sorri e me pega pela mão. Sigo como uma criança a quem será apresentado um novo parque de diversões. Se estiver me ouvindo agora, desculpe pelo incômodo.
Teu é o reino, o poder e a glória para sempre.
ótima estrutura textual, Ian!
ResponderExcluirObrigado Gabriel.
ExcluirMuito ótimo.
ResponderExcluirQuando li esse post veio essa imagem a mente
http://images4.wikia.nocookie.net/__cb20091025193653/yugioh/pt/images/thumb/e/e6/345px-CopycatJUMP-EN-UR-LE.png/330px-345px-CopycatJUMP-EN-UR-LE.png
Deve ser alguma lembrança passada trazida do além ha ha ha xD
Muito bom teu texto,tú es quase um gênio xD
Haahhha, que nostalgia ao ver a carta lalmy.
ExcluirLindo! Adoro sua forma de escrever, pois harmoniza com beleza ideias muito profundas com uma forma de narrar que enche a imaginação!
ResponderExcluirObrigado pelo elogio Wanju.
ExcluirRealmente ficou ótimo! *-* E o título tem tudo haver com o texto! Parabéns Ian, por nos trazer diversos contos tão inspiradores, que nos fazem refletir sobre a vida que temos e as decisões que tomamos.
ResponderExcluirPaz e Luz!
Mika'el
Obrigado tb Mikael, é bom saber que o que escrevemos consegue alcançar o fim pretendido. é gratificante. ^^
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