20 de mar. de 2012

Diário de Guerra


Percebi que teria total sucesso na empreitada da noite quando notei a morte por perto.  Ela não perderia seu tempo rondando aquele lugar se algo não estivesse por acontecer. Isso fez com que me empenhasse com mais ardor ainda à tarefa. E a tarefa se chamava Rômulo, o grande Rômulo.

Ele não passava de um grande bebum metido a valente que tinha como passatempo favorito ficar postado no balcão daquele bar de periferia encarando com seus olhos raivosos quem quer que se aproxime. Isso o dava poder, o único poder que alguém de caráter tão fracassado poderia vir a almejar.


Tudo começou naquela tarde, quando uma fofoca entre duas de suas vizinhas me deu a melhor das idéias para criar um pouco de diversão. Falavam que a esposa de Rômulo teria traído ele em um pagode na noite anterior. Ouvi tudo e esperei que se separassem para me achegar com a que parecia mais propensa a uma conversa comigo.

- E ai, Joana. – Falei – Que tal contar tudo isso ao Rômulo?

- Não vou fazer, claro que não. Nem é da minha conta o que a mulher dele anda fazendo por ai, e ele nem vai acreditar em mim.

- Claro que ele vai acreditar, você não é mulher de andar com mentiras. Além do mais, se ele duvidar é só mandar ele ir perguntar ao Rogério, o homem que ficou com ela.
- Tem razão, e além do mais, aquela zinha até merece isso né?

- E como merece.- Enfatizei.

A semente estava plantada. Quando Rômulo chegou do trabalho Joana correu a chamá-lo para uma conversa particular. Contou tudo e disse que poderia achar o Dito cujo no Bar do Tinoco. Rômulo não perdeu tempo, a mulher ainda não havia chegado da casa de família onde era doméstica, ele iria ajustar as contas com o Rogério, depois cuidaria dela.

Eu só não contava com a covardia daquela homenzarrão, pensei que não teria dificuldades quando puxei assunto com ele:

- Rômulo, meu velho, é hoje, ótima dia para comer Ricardão retalhado não acha?

- Claro, mas nem sei se foi verdade, essa Joana é uma fuxiqueira, já me disseram isso dela.

- A Joana não iria mentir para um homem forte e valente como você Rômulo, por mais que ela goste de contar histórias, não iria se arriscar tanto.

- É, homem forte e valente, eu. Ela não iria, você acha isso mesmo?

- Não apenas acho como tenho absoluta certeza. A única coisa que não tenho certeza é de que você honrará a fama de macho que tem lavando sua honra nessa história.

- Vou honrar, vou sim. Mas nunca é demais querer ter certeza.

E a conversa se alongou assim, ele sempre duvidando e querendo certeza. Sua dúvida aumentou mais ainda quando viu no bar o Rogério cercado por 12 amigos, fazendo alguma espécie de comemoração. Precisava providenciar uma arma para aquele molenga, consegui isso convencendo um velho policial de como seria mais cômodo tomar sua cerveja se afrouxasse um pouco o coldre de sua pistola, que já estava incomodando após 12 horas ininterruptas de serviço. Rômulo não sabia atirar, mas eu cuidaria disso.

Foi quando o policial afrouxou o coldre que vi a morte chegando. Notei que a hora havia chegado e dei o golpe de misericórdia, voltei minha voz macia para Rômulo e mostrei-lhe a arma. Se fosse rápido o policial não iria conseguir impedi-lo.

Seus olhos vermelhos de homem bêbado traído olharam a arma com muita atenção. Por um momento pensei que ainda teria que conversar mais um pouco para convencê-lo. Mas, de súbito, ele puxou a arma com força da cintura do policial, que ficou atônico quando tentou tomá-la a tempo e não conseguiu.

- Atire em todos eles, Rômulo, atire nesses miseráveis para pagarem por sua dor! – Bradei ferozmente para ele, nos milésimos de segundo em que todos os olharam aterrorizados sem saber o que ele faria.

O que ele fez foi muito rápido, mas deu tempo de soltar uma última frase para todos ouvirem:

- Um desgraçado a menos no mundo. – Falou enquanto enfiava a arma na própria boca e atirava.

Com os pedaços de seus miolos, voaram toda a minha empolgação. Estava paralisado de surpresa quando a morte se aproximou sem pressa para fazer seu serviço.

- Coisa feia o que você fez hein? Mas não se deu bem afinal. – Me falou o Ceifador.

- Não venha me dar lições de moral papa-defuntos. O que posso fazer se depois que você levou Hitler e minha maior obra nesse mundo se encerrou restaram apenas serviços pequenos?

- Até te entendo. Mas, francamente, você não consegue mais nem provocar uma briga de bar? Esperava mais de você Guerra.

- Seus insultos não me abalam, não tenho culpas se o imbecil era um suicida. – Respondi enquanto cortava a conversa e me afastava. Eu até o entendia. Ninguém nunca deu tanto trabalho a ele quanto eu. Sou a maior causadora de mortes que já existiu. Guerra. Alexandre, Napoleão, Hitler, todos manipulados por mim. Mas esta cada vez mais difícil arranjar um grande líder belicista. Tentei tempos atrás com um tal de Bush, mas a burrice do sujeitinho era tanta que parece até que me contagiou. O Ceifador tinha até razão. Uma briga de bar? Olhe bem para você Guerra: falhando em uma briga de bar. Preciso me cuidar. E como preciso. Daqui a pouco estarei organizando rodinhas de pancada no jardim de infância.

14 de mar. de 2012

Autonecrografia


Livrai-nos de todos os males ó pai... Dai-nos hoje tua paz...

Hoje eu rezo sozinha meu terço de sementes de oliveira. Uma velha freira no alto da torre de uma imensa catedral repleta de adornos dourados. Quando jovem, via Deus no brilho do ouro. Hoje sinto nesse templo apenas  um vazio tão grande quanto aquele que segue dentro de mim. As rugas na minha face se contraem mais ainda e lágrimas escorrem por meu rosto: que fiz de minha vida? Porque não  consigo mais sentir tua presença aqui? As imagens que antes eram a face dos anjos e santos me observando, agora são apenas imagens. As velas que eram a luz de Deus guiando meus passos, agora não passam de velas. Vejo que não dá para se manter cheia de graça após ver o que vi. Se tu existes, perdoe meu ato. Um minuto de dúvida para mim é pior que a eternidade nas chamas. Pulo.

Ajudados pela tua misericórdia...

- Existem várias formas de servir a Deus meu filho. – Falou o padre para um de seus alunos de catecismo.
O garoto nada respondia, apenas o olhava fixamente.
- Algumas pessoas escolhem a forma que irão servir, outras Deus mesmo escolhe por elas.
- Qual delas você quer ser? Quer ser um escolhido de Deus?
Mais uma vez o garoto nada falou.
- Sei que você não pode responder filhinho, mas pelo menos não me olhe com esse ar de medo, eu não sou mal, quero apenas o seu bem, sou a ponte entre você e Deus. Conduzirei você até ele.
A criança o olhava, lágrimas silenciosas agora escorriam de sua face.
O Padre então fez o sinal da cruz, pegou seu punhal, passou a língua na lâmina como para sentir o sabor, observou mais uma vez o corpo ofegante do garoto amarrado na mesa de sacrifício improvisada no porão e desferiu o golpe fatal.
- Recebe senhor, em teu seio essa alma pura, que eu salvei das maldades do mundo. Se vivesse seria corrompido, mas eu o envio de volta para ti, e assim ele se torna um anjo. – Falou o padre ritualisticamente enquanto aparava o sangue da criança em uma taça e o levava à boca.

Que sejamos livres do pecado...

 - Mas pastor, não posso mais mesmo? Nunca mais?
- Você está duvidando da palavra do próprio senhor? Não ficou claro nas escrituras que só uma vez deve casar o homem? Que se relacionar com outra mulher é cair em pecado? E cair em pecado é ser lançado no inferno?
- Ficou claro sim, pastor, desculpe.
- Então vá para casa descansar,entregue-se ao Senhor que ele sabe melhor que você o que é melhor para sua vida.
A esposa havia fugido com outro, astúcias do inimigo. E agora ele estava condenado a passar o resto da vida sem uma mulher. 6 meses que ela fugira. 4 filhos para criar. 3 aluguéis atrasados. 10 minutos para ocorrer uma tragédia. Após finalmente perguntar ao pastor se não podia procurar o carinho de outra, ele chorou. Onde havia errado? Que deixara de dar à esposa para ela abandoná-lo dessa forma? E ainda mais com todos os filhos.
Não havia mais o que pensar, pegou a faca mais afiada da cozinha, dirigiu-se ao banheiro, despiu-se totalmente e por fim se mutilou. Ele não mais iria pecar, não mais.

Protegidos de todos os perigos...

- Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do espírito santo. – Falou o padre jogando água sobre a cabeça da pequena menina. Seus pais a seguravam e a mãe chorava de emoção. Ao termino a garotinha sorriu e a mãe colocou um terço de sementes de oliveira ao seu pescoço.
- Meu milagre de Deus, minha filhinha. Será uma grande serva do senhor e rezará nesse terço durante toda a sua vida.

Enquanto vivemos a esperar... Tua vinda...

O vento forte bateu contra meu rosto. O vento me lembrava liberdade. Meu corpo era então uma pluma solta no ar sem destino. Eu vôo, pelo ar e por meus pensamentos, cruzo uma árvore de minha infância, e lá vejo os anseios que não alcancei, uma janela da adolescência me mostra tantos projetos inacabados. O primeiro beijo que não deveria ter ocorrido passa por mim como uma folha que flutuava ao meu lado. Tantas janelas, tantas coisas que vivi, deveria mesmo ter tido um fim? O fim, ele se aproxima, sinto isso, apesar de não vê-lo. Meu coração bate forte e me entrego à sensação de que nada mais posso fazer e então tudo se dissolve.
Quando retorno, não sou mais eu. Meus ossos estão espalhados pelo chão, e meu sangue escorre entre eles. Eu sou o sangue, eu sou os ossos, eu sou alma dilacerada e jogada naquelas pedras. 
 Eu que tão pouco falava. Uma palavra ou duas. Mas deixava que frases inteiras me saltassem dos olhos. Só Deus as lia, e quando não mais o senti foi como perder a única razão de existir. Que a amargura tenha sido varrida de mim, e que meus sorrisos não mais assustem a mim mesmo. Se aproxima a portadora da foice, sorri e me pega pela mão. Sigo como uma criança a quem será apresentado um novo parque de diversões. Se estiver me ouvindo agora, desculpe pelo incômodo.

Teu é o reino, o poder e a glória para sempre.

4 de mar. de 2012

Experimentação Mágica - Uma Introdução aos Estudo dos Protocolos de Magia


Existem duas formas básicas para alguém evoluir seu nível de conhecimento: o estudo e a experiência. Nenhuma é superior a outra, são equivalentes e complementares entre si. O estudo sem a experiência se torna estático, evoluindo apenas dentro daquilo que já se sabe, a experiência sem o estudo perde fundamento e se torna difícil de difundir para além da esfera de conhecimento pessoal de quem a teve. Na magia esses dois conceitos são muito importantes, uma vez que o que define se alguém é um mago ou um estudante de ocultismo, é exatamente a forma como ele enriquece seu conhecimento acerca de magia. O mago lida com estudo e experiência, o estudante de ocultismo preocupa-se em apenas acumular conhecimento a respeito.


Essa é inclusive uma excelente questão para quem está iniciando ou está no meio do caminho refletir a respeito. O que você quer com a magia? Apenas entende-la? Estudá-la? Ou você pretende praticar a magia, sentir a magia, ser a magia? Se você escolheu a primeira opção, não é algo que o diminua, cada um é livre para conduzir seus conhecimentos para onde sua consciência o dirige. Mas se você escolheu a segunda opção, esse texto foi escrito exatamente para você.

E o que é experimentação mágica? A experimentação mágica vai além da prática regular da magia. O mago comum ele pratica aquilo que está nos grimórios, aquilo que alguém descobriu e escreveu como se faz. O mago experimentador vai além disso, ele busca novas formas de realizar a magia, novos caminhos mágicos para trilhar. Alguns diria que o mago comum que falo é o mago tradicional e o mago experimentador seria o mago do caos. Não concordo completamente com isso pelo seguinte fato: muitos que se dizem caoístas são na verdade magos comuns, apenas praticam os conhecimentos já estabelecidos por magos do caos que vieram antes deles. O cara que desenvolveu a forma de criar servidores, ou de criar sigilos, era um experimentador, os que só praticam o que ele ensinou são magos comuns, mesmo sendo magos do caos. Isso é até um contrassenso, considerando que o propósito maior da magia do caos é exatamente você desenvolver sua própria magia, usando os elementos que lhe convierem. Digamos que esses propósitos maiores do caoísmo sejam sim princípios da experimentação mágica, mas com uma análise mais apurada, vemos que nem todos os magos do caos realmente o seguem. Falar que nada é verdadeiro e tudo é permitido é ótimo para criticar as crenças alheias e os magos tradicionais, mas na hora de arregaçar as mangas, colocar a massa cinzenta pra funcionar e fazer sua própria magia, eles tossem, olham para o lado e fingem que o assunto não é com eles.

A experimentação mágica possui vários níveis, você pode apenas testar de uma oração em latim funciona se for traduzida para português. Se o ritual para convocar o deus do trovão grego funciona para o deus do trovão nórdico. Se a vela branca pode substituir a vela azul em um ritual. Pode ir mais além, criando um alfabeto mágico particular e o usando nos seus rituais. Criar uma forma diferente de elaborar sigilos, ou de criar servidores. Ou pode realmente chutar o balde, criando uma nova forma de manifestar a magia no mundo, um novo sistema de magia, uma nova escola e etc.
A experimentação também pode se dar a partir da reformulação de paradigmas existentes, interagindo entre si ou com elementos completamente diferentes, ou a partir do desenvolvimento de paradigmas completamente novos.

Porque a magia deve evoluir? Porque devemos nos dedicar à experimentação mágica pra produzir novos conhecimentos em magia? Simples, nada no mundo foi feito para ser estático, ainda mais a magia, que é revolucionária por si só ao dar ao homem a função de compreender e interagir com o universo e as forças que o rodeiam, não aceitando passivamente as respostas pré-fabricadas que lhe forem fornecidas. Aos que acham que tudo que havia para ser descoberto na magia já o foi, eu digo que se todos os magos do passado pensassem assim, a própria magia teria morrido antes mesmo de nascer. Querem sempre melhorar, seja de salário, seja em conhecimento, seja de carro, seja de emprego, é o que impulsiona o homem a evoluir, e o que evolui o próprio planeta. Porque a magia deveria ser diferente?

Esclarecido o que é a experimentação mágica, posso agora falar dos protocolos de magia. Os protocolos são uma forma de experimentação mágica na qual venho trabalhando. Não se trata de nada revolucionários nem nunca antes visto na televisão, é apenas uma sistematização de alguns conceitos espaços de forma a permitir o uso de tal sistema para criar novas maneiras de praticar magia, ou como alguns podem ver, praticar velhas formas de magia adaptando-as a novos elementos que o mago deseje usar.

Não se trata de nada complicado, de início pode ser difícil separa-los de outros sistemas como os sigilos ou até mesmo os servidores, porém, superada esse etapa inicial os mesmos podem ser converter em um elemento útil para utilização nas mais diversas práticas e para os mais diversos fins.
Protocolos podem ser classificados como mapas. Imagine a magia como um território selvagem e não desbravado, seja onde for que você entre, nunca saberá onde vai chegar. Os protocolos seriam mapas, que ao serem seguidos, te levarão certamente a um lugar pré-determinado. Traduzindo, imagine que você realiza um ritual para se conectar com seu animal ancestral ou uma divindade qualquer, esse ritual segue um conjunto de passos, para alcançar um determinado fim, se ao final desse ritual, você conseguisse gravar o caminho que ele percorreu para alcançar o resultado e o gravasse de alguma forma, você teria um protocolo.

A próxima postagem será exclusiva para explicar detalhadamente o que são protocolos e dar exemplos para melhor compreensão. Peço aos que lerem esse texto que deixem suas opiniões abaixo sobre a clareza do que falei. Se deu para entender o que são protocolos, se ficou sem ter a mínima ideia do que são. Se despertou o interesse ou não.

Grato a todos,

2 de mar. de 2012

Ceifador - Sábado e Domingo


Dos muitos inconvenientes que minha ocupação possui, acredito que o principal deles seja a inesgotabilidade do serviço. Certas coisas não se consegue mudar em pouco tempo, uma delas é a sensação de extremo esgotamento que se experimenta após 12 horas seguidas de trabalho, mesmo que você não tenha mais nada que seja capaz de se cansar.

Todas as pessoas, a não ser algumas que considero os mais inteligentes dos humanos e os próprios humanos chamam de excêntricos, possuem uma rotina claramente definida para cada dia da semana. Acordam, ingerem um gordo café da manha, as que podem é claro, vestem-se para algum compromisso costumeiro, colégio, afazeres domésticos, trabalho, etc. Vão para esse compromisso, param ao meio dia para o sagrado almoço, continuam com outro ou o mesmo compromisso, voltam para casa a noite e curtem alguns momentos de algum entretenimento inútil como tolos programas de televisão, até acordarem no outro dia para começar tudo de novo. Claro, existem as exceções, mas a maioria delas não são verdadeiras exceções, são apenas variações desse modelo geral.

Enfim, isso é a grande regra dos dias da semana, é algo tão comum que nunca consigo diferenciar uns dos outros, é como se de segunda a sexta fosse apenas um único e tedioso dia.  A coisa só muda nos finais de semana, nele as pessoas alteram os programas, os objetivos e expectativas. A mesma coisa funciona com meu trabalho, na semana uma coisa, nos finais de semana algo bem diferente.

Assim como em conjunto se diferenciam do resto da semana, sábado e domingo têm cada um suas próprias características. Na semana ocorrem mortes de todos os tipos, um verdadeiro caos de assassinatos, acidentes, ataques cardíacos e coisas do tipo. Já os finais de semana se caracterizam por apresentar uma certa homogeneidade na natureza dos falecimentos.

Comecemos pelo sábado. O sábado é o dia da violência gratuita. Não que haja necessidade de haver um dia apenas para isso, porque os homens estão sempre prontos para serem violentos sem motivo algum em qualquer dia ou lugar, mas no sábado a falta dos afazeres costumeiros lhes fornece bastante tempo  para a prática do esporte favorito da humanidade: a autodestruição.

Brigas, brigas, é só o que assisto nesse dia. Uma festa entre amigos, um churrasco, tudo vai bem até alguém lembrar uma velha desavença, o álcool esquenta o sangue e em pouco tempo tenho um “de cujus” fresquinho para cuidar. Interessante ter citado o álcool, em meus delírios sinestésicos o sábado sempre teve cheiro de álcool e o álcool sempre teve cheiro de defunto. É realmente triste observar a tola surpresa nos olhos de quem estava brincando com amigos e de repente se vê arrebatado da vida, a única coisa que supera tal tristeza é o terrível trabalho que se tem para convencer um bêbado de que ele está morto.

Falemos agora do domingo, dia idealizado e eternizado em música e poesia. Para uns o domingo é o dia da praia, para outros, do almoço em família. Há também aqueles para quem o domingo é o dia do “shopping” ou de um entretenimento alternativo. Já para mim, este é o dia do suicídio, e não posso ser culpado por dar um significado tão fúnebre pra tal dia, porque afinal não sou eu quem comete suicídio, são todas aquelas pessoas do almoço em família, banho de mar, “shopping” e tudo mais.

Suicídio é talvez o tipo de morte mais patético que existe, mais ilógico. Como alguém resolve sair de um mundo sem saber como é o outro? É trocar o certo pelo duvidoso, pular em um buraco escuro sem saber onde fica o fundo, enfim, uma típica atitude desses descendentes dos primatas que se autodenominam homo sapiens.

Os suicídios ocorrem principalmente entre os mais abastados materialmente. É interessante que os pobres sonham em ficar ricos, e os ricos sonham em morrer, é como um tolo que vive aos pés de uma montanha sonhando em um dia chegar ao topo dela, um dia ele consegue fazer isso, só que ao chegar lá em cima percebe que não há nada melhor para fazer além de pular no vazio. Apesar de ser lamentável, alguns episódios interessantes ocorrem, como o caso daqueles muito poderosos que acham que vão passar para o outro lado com o mesmo poder que aqui possuíam. Falando disso lembro-me de um desses casos, uma chata tarde de domingo, o sol castigando o calçadão da praia, uma egocêntrica celebridade em sua mansão sentada diante de um frasco recheado de drogas. Eu a observo de um canto da sala, enquanto ela vai tomando os comprimidos um após o outro, até que eles começam a fazer efeito e ela pode me ver.

-- Quem é você? Como entrou aqui?

-- Sou alguém que odeia clichês, apesar de não conseguir me livrar desse: “sou aquela que nunca falha”.

-- Então, você é a morte?

-- Não, não sou a morte, sou UMA morte.

-- Uma morte? Uma morte veio me pegar? Sozinha?

-- Sim, uma morte, umazinha só. Não quero abalar sua auto-estima, mas estou certo de que é mais do que suficiente para dar cabo de você.

Sei que meu comentário foi muito cruel, mas tenha a meu favor o fato de que não se pode exigir muita paciência de quem passa sábados e domingos trabalhando sem cessar e sem hora extra.