17 de abr. de 2013

Entrevista com um Budista Tibetano

Continuando a ideia de trazer entrevistas com praticantes das mais diversas religiões e doutrinas, para proporcionar um melhor entendimento das mesmas, hoje trago uma série de perguntas feitas a um budista tibetano, o budismo é uma religião muito vasta, com muitas divisões, muitas tradições diferentes e inserida em culturas bem diversificadas. O que chamou atenção no budismo tibetano para fazer um brasileiro, morador de uma terra tão distante, converter-se a esta tradição? Quais as particularidades desta religião? O que ela tem a nos ensinar? Cada um tem seu próprio caminho, que os outros devem respeitar, nada melhor que conhecer o caminho que os outros seguem, para entendermos melhor e quem sabe até nos surpreender nos identificando com uma tradição que nem tínhamos ouvido falar. Sem mais delongas, agradeço ao Luiz, nosso entrevistado de hoje e passo as perguntas.
 
1. Poderia nos explicar o que é o budismo tibetano e no que ele se difere das demais vertentes do budismo?

Existem diversas formas de se praticar o budismo, não necessariamente uma melhor que a outra, são somente linhagens diferentes que traduzem caminhos diferentes de buscar a iluminação. De uma forma simplificada poderíamos inicialmente subdividir o Budismo em Hinayana(veículo menor) que trata da iluminação individual e a busca pela budeidade em um âmbito pessoal e o Mahayana(grande veículo) que geralmente focam na iluminação de todos os seres sencientes (seres com consciência).
   O budismo tibetano se encaixa em uma nomenclatura chamada Mahayana , mas precisamente chamado de vajrayana, essa forma de budismo é resultado da religião Bon, uma religião xamânica tibetana anterior a chegada do Budismo no Tibet, do budismo mahayana em si e também é fruto de um isolamento cultural e geográfico que ocorreu durante séculos devido o difícil acesso ao tibet que fica em altas altitudes perdido entre desertos e o Himalaya. Dentre vários conceitos vale salientar os meio hábeis que falam do amor, compaixão e a importância de beneficiar os seres sencientes com atos reais, a importância da ligação com um lama professor que é responsável de trazer as lições do Buda que foram passadas a ele pela linhagem do mesmo, a prática do tantrismo e das visualizações como a deidade que se venera com o objetivo de cultivar as qualidades da mesma, a iluminação como caminho buscando a realização da forma mais rápida entre todas as tradições diferentes, etc.

2. Porque ser budista tibetano tão longe do Tibete? Como foi seu processo de conversão?

Por filosofia, pela busca da liberdade, pela fuga do Samsara. Particularmente refuto a existência de um Deus supremo que julga todos meus atos ou um juízo final, acho lógico a ideia dos reinos de existência e a prisão em uma realidade falsa e ilusória fruto dos meus desejos e da minha ignorância, busco no budismo o caminho para a iluminação. Eu próprio busquei  uma religião que chegasse próxima da minha visão de realidade e a que me trouxe respostas mais lógicas, científicas com menos carga supersticiosa foi o budismo tibetano.

3. O budismo eh uma religião sem Deus? qual o papel de Deus no budismo?

Não há uma opinião pacífica sobre sua pergunta. O própria Buda reconhecia a existência dos deuses (devas) e eles seriam seres que vivem em uma existência superior que podem interferir em nosso plano e viver milhões de anos dos nossos porém são seres comprometidos com assuntos diversos e sujeitos a em algum momento cair em existências inferiores novamente. O ideal é buscar sua própria iluminação através do caminho que você tiver melhor conexão, venerar e honrar os Budas, seres que já superaram o ciclo de reencarnações. Existem incontáveis deuses, eu ou você podemos já ter sido um deles e existem incontáveis Budas que na vacuidade encontraram o nirvana, a realização última.

4. Que dificuldades um budista tibetano enfrenta no Brasil?

Acho que existem várias dificuldades porém dois fatores são preponderantes para mim. O primeiro é o fator social, sentir que as pessoas não entendem, rejeitam ou fazem pouco caso das práticas e costumes que muitas vezes passamos a adotar, estranho a maioria ao meu redor. O segundo fator é o geográfico, muitas vezes é complicado viver plenamente a religião afastado dos lamas que admiro, longe dos ensinamentos e de seu olhar que é chave para o próprio sucesso da prática.


5. Fale-nos da mediunidade no budismo tibetano.

O que se entende por mediunidade está presente na verdade em todas as religiões ao redor do globo, no Budismo não é diferente. O fenômeno do tulku mostra pessoas que carregam lembranças e ensinamentos vivos de incontáveis vidas anteriores, os seres de outros reinos também podem interferir na vida das pessoas que podem ser fascinadas ou até possuídas, os dharmapalas (protetores) podem utilizar do transe de monges preparados para enviar recados e aconselhar sobre temas importantes ou em trazer revelações sobre o futuro, seres superiores também podem utilizar-se de médiuns para curar enfermidades diversas. São várias as manifestações coincidentemente semelhantes as com as que vivenciamos aqui em nossas religiões locais.




6. Explique o que é um tulku.

As pessoas cheias de desejos estão presas ao Samsara e renascem incontáveis vezes até encontrarem meios hábeis para a iluminação, elas vagam entre os seis reinos de existências empurradas pelo seu carma. O tulku é um ser que já alcançou a iluminação porém abdica de se tornar um Buda e continua renascendo incontáveis vezes nos diferentes reinos e emanando sua consciência de diversas formas para beneficiar todos os seres sencientes que como nós continuam presos ao ciclo de renascimentos.


7. O que você aconselharia a quem está querendo entender melhor o budismo tibetano?

Estudar, pois a doutrina é muito complexa e cheia de nuances, procurar conhecer conceitos filosóficos e práticas preliminares, buscar um professor de uma linhagem confiável, o vínculo com o mestre é necessário para o avanço espiritual. Indiferente ao dogma o budista deve cultivar dentro de si compaixão por todos os seres e buscar meios para ajudar todos efetivamente.

8. qual a diferença ou semelhança da doutrina de Buda para a de Jesus

    Jesus se apresentava como filho de Deus, ensinava o amor ao próximo e a caridade buscando como fim a salvação última, a vida eterna. Para muitos lamas inclusive o dalai lama seria Jesus um bodhisatva( um ser iluminado ) que veio trazer uma mensagem adaptada ao grau de entendimento daquela população em que estava inserido. A diferença em relação ao Buda é que Gautama não se dizia um Deus ou um enviado, ele sempre deixou claro que era um homem comum que alcançou através do esforço a própria iluminação e que se dedicava a ensinar  o caminho para os demais, pregava também a busca pela budeidade em benefício de todos os seres, a efetiva vontade em beneficiar todos desde os seres, infernais aos deuses que vivem em existências superiores, o fim último não depende de nenhuma divindade só da própria pessoa que alcança o shunyata (vazio supremo), o nirvana. Uma frase que expressa bem essa diferença na mensagem do Buda dita pelo próprio seria a seguinte: "Não é um Deus que julga as pessoas, mas é a própria pessoa que faz o julgamento de si mesmo."


À título de informação, a primeira imagem se trata da Deidade Chenrezig, a segunda do Lama Kalu Rimpoche na sua última vida e a terceira e última do lama Kalu Rimpoche na vida atual.

3 comentários:

  1. Ótima entrevista!
    Parabéns ao entrevistado, deu para aprender muita coisa nova!

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    1. Eu também me surpreendi em como a doutrina budista tibetana é rica.

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  2. faltou identificar quem é o entrevistado

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