22 de abr. de 2013

Magia Brasileira - Conceitos e Preceitos



Assuntos Abordados nesta postagem:


1. O que é Magia Brasileira
2. Para que Serve a Magia Brasileira
3. Divisões da Magia Brasileira
4. O limite entre Crendice e prática mágica


É andando na mata
é olhando pro céu
que eu sinto a magia
que eu rasgo este véu


1. O que é Magia Brasileira


Para falar de magia brasileira em primeiro lugar se faz necessário dizer o que chamo de magia e a partir daí construir uma definição precisa do que poderíamos chamar de magia brasileira. A definição de magia que apresento abaixo é a mesma que coloco em todos os artigos em que o assunto é tratado relacionados em magia e encontra-se retratada também em uma postagem do blog:

A Magia, o próprio nome possui uma carga de sedução tão poderosa, que eu gosto de as vezes pronunciar apenas para ouvir o som que o mesmo provoca. Magia, para mim, é a arte de interagir e manipular as forças desconhecidas da natureza, interior e exterior ao homem, isso em sentido estrito. Em sentido amplo, e eu gosto desse sentido amplo, Magia é tudo que dá um “tapa na cara” da realidade instituída, ou seja, que mostra o que está sob o véu do que as pessoas acham que é real. Desse ponto de vista, a aparição de uma fada é magia, a criação de um servidor é magia, o acesso a um outro plano através da meditação é magia, até um milagre realizado por um religioso é magia.


Creio que a magia possua dois processos básicos, interno e externo. Em primeiro lugar, você precisa acreditar internamente na magia, desenvolver sua mente, seu ser, para entender e acessar as forças desconhecidas, para então interagir com elas. O poder de um “mago” se resume a dois fatores: talentoXestudo. Alguns nascem com pré disposição para a coisa, mas não estudam e nunca desenvolvem, outros nascem sem praticamente nenhuma inclinação, mas se interessam e vão longe.


O poder mágico então, se dá por uma conjugação de dois processos,  desenvolvimento interno e o acesso à energias externas (sem contar no acesso às energias internas também, algumas pessoas possuem energias internas super potentes e devem usá-las com bom planejamento para desenvolver ainda mais seu poder mágico).


Considerando a magia como possuidora de elementos exteriores ao indivíduo, podemos afirmar que ela pode ocorrer independente da vontade do indivíduo. A magia pode lhe atingir quando você menos esperar. Ela pode chamá-lo para desvendar seus mistérios. Ela pode envolver sua vida até você não ter escolha senão explorá-la. Ela esta  na natureza, independente de sua vontade. Esta na floresta, nas águas, no ar, na vida que pulsa por todas as partes. 


Esta nos deuses, em Deus. Acho essa Magia muito mais interessante, mais iluminadora e real que aquela que se resume a técnicas mentais para desenvolver a vontade individual. Por isso acho a maioria das ordens tão pobre de objetivos, não me empolgam, reduzem a magia à manipulação da vontade humana, dão uma supervalorização ao homens, considerando-o grande demais. Sou contra isso, acho que para crescer, o primeiro passo é reconhecer-se pequeno. 

Considerando o conceito de magia fornecido, posso dizer que magia brasileira são aqueles costumes, ritos e práticas de todo tipo que procuram interagir ou manipular com as energias desconhecidas da natureza e da nossa mente que tenham uma raiz essencialmente nacional ou que tenham sido absorvidas no ordenamento cultural de nosso povo de forma a passar a integrar nossa herança espíritocultural.

Para que o conceito de magia brasileira não pareça confuso, irei fornecer um conceito de magia alienígena, ou estrangeira. Magia alienígena é aquela prática que não possui quaisquer elementos locais, cujos valores e paradigmas estão completamente baseados na herança cultural de outros povos. Vou dar um exemplo prático. Se você é um wiccano, isso por si só não te faz um mago praticante de magia brasileira ou alienígena. Se você adota as velhas crenças e práticas de veneração da grande mãe e interação com as energias naturais, está praticando ritos da herança cultural da humanidade como um todo, agora se só utiliza em suas práticas os elementos de referências de outros países, (tem gente que encomenda galhos de árvores europeus para fazer varinhas), ignora completamente as práticas da nossa cultura de venerar a mãe, de interagir com os seres da natureza, então você é um praticante de magia alienígena.


2. Para que serve a magia brasileira


Posto isso, se pergunta, qual a importância de eu usar magia brasileira ou estrangeira?

Esta é uma pergunta muito delicada. Alguns magistas são completamente alienados em relação a magia brasileira, considera o saci pererê e a curupira uma história para crianças e sai pelas matas caçando gnomos escandinavos. Nada contra os gnomos escandinavos, não há nada de errado em utilizar referências estrangeiras. Inclusive uma xenofobia arcana seria uma tolice enorme, porque quando falamos de magia, estamos nos referindo a toda uma herança universal da humanidade que remota a civilizações muito antigas, ter aversão ao que vem de fora é uma verdadeira castração mental.

Porque então estou me dando ao trabalho de falar de magia brasileira e incentivar sua prática? Por vários motivos, um deles é que temos uma herança cultural riquíssima que está se perdendo em vários pontos. Vemos bruxas de shopping pulularem ao milhares pelo país afora, mas dificilmente vemos uma adolescente procurar uma velha benzedeira para aprender o ofício da reza. Magia é antes de tudo, interação mente-universo, então quando procuramos nos desenvolver dentro da magia é indispensável que antes de tudo procuremos conhecer muito bem como nossa mente funciona. Precisamos saber de onde vem nossos valores, nossos preconceitos, nossas crenças, principalmente as mais primárias, os valores que aprendemos quando criança são muito difíceis de serem mudados, ao invés de lutar contra eles, devemos utilizá-los como a poderosa fonte de poder que representam, esse assunto será melhor analisado quando falarmos de magia da fé, para este é necessário apenas que entendamos que os valores culturais de nosso pais estão enraizados profundamente no nosso inconsciente e no inconsciente coletivo de todos que nos circulam, representando uma poderosa fonte de energia que um praticante da arte inteligente não pode ignorar. Está é a importância da magia brasileira, são práticas que evocam as energias das crenças do nosso povo, ao utilizá-las não é apenas nossa mente trabalhando. Para os que diriam que usar magia alienígena é a mesma coisa porque estamos usando o inconsciente coletivo do povo que a originou, eu digo que não é a mesma coisa por um motivo muito simples: apesar de ser óbvio, sabemos que o inconsciente coletivo funciona como um campo fértil para propagar o que esta nele gravado. Se usamos uma prática de magia brasileira sendo brasileiros, estamos programados para utilizar aquela energia, se somos estrangeiros, precisamos de um esforço mental muito maior em virtude de aquelas práticas não estarem programadas em nós como algo real.

Devemos entender que a força mental é algo muito mais profundo que a mente consciente, não é porque eu fico repetindo mil vezes “gnomos existem, gnomos existem” que meu subconsciente vai acreditar nisso e liberar sua energia para a evocação dos gnomos. Agora, se quando eu era criancinha eu cresci aprendendo que os gnomos estão em toda parte, o inconsciente nem mesmo questiona, ele salta e diz “gnomos, aqui vamos nós”.


3. Divisões da Magia Brasileira

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que a classificação que farei aqui é meramente didática e tem como principal objetivo fornecer um norte para o desenvolvimento do tema nesta e em posteriores postagens. Não estou querendo dizer que são as únicas formas de magia nacional nem a maneira mais correta de classificar. Esclarecido este ponto, continuemos.

Essa classificação se faz necessária em virtude de que é com base na mesma que faremos as práticas.

1. Magia Popular: Práticas de magia popular são aquelas desvinculadas de qualquer religião específica e que mesmo assim são usadas no cotidiano das pessoas. É o caso de algumas simpatias, mandingas e costumes. Estão englobados nesse item a maioria das superstições populares.

2. Praticas relacionadas às religiões: são os rituais de magia umbandistas, do catimbó, do camdomblé e até católicos (sim, existe magia católica). É um campo muito vasto e abrangente. Neste item também abordaremos as benzeduras.

3. Experimentação mágica feita por brasileiros. São as técnicas e tradições novas criadas por nossos compatriotas tupiniquins. Vai desde os experimentadores da magia do caos àqueles que inovam em seguimentos tradicionais ou que sem seguir tradição alguma criam novas técnicas. Esse é uma área por demais vasta e em virtude disto não será objeto de estudo desde tema, cabe a cada um que se interesse pelo que é criado de novo aqui que vasculhe a internet e as livrarias em busca, garanto que há muita coisa boa, e muita coisa ruim também. Cabe a cada um julgar o que melhor lhe apraz.


4. O limite entre Crendice e Prática Mágica

Talvez fosse melhor esclarecer este ponto quando da abordagem de práticas populares a ser feita em postagens posteriores, porém, considerei importante esclarecer aqueles que em uma primeira leitura possa ter considerado que estamos falando de meras crendices, sem utilidade para o praticante das artes mágicas.

Sabemos que nas crenças populares está presente uma forte carga da experiência mágica popular de um povo. Nem toda crendice tem uma razão de ser mágica, algumas são simples e meramente crendices na melhor acepção da palavra. No entanto, algumas delas vão além da mera crença, são verificáveis na prática. São passíveis de análise pelo ocultista curioso e investigador. São estar o nosso objeto de estudo. Aquelas crendices que ultrapassam as fronteiras da mera superstição e avocam efeitos reais e comprováveis empiricamente às práticas mágicas de qualquer pessoa. 


Este é apenas o início de várias postagens do blog em que trataremos da chamada magia brasileira, a próxima postagem do assunto será voltada exclusivamente para a prática, então quem desejar arregaçar as mangas e praticar um pouco de magia tupiniquim, absorva os conceitos teóricos e aguarde o que vem por ai.

Entre no clima da Magia Brasileira ouvindo Maria Bethânia:



Letra:

Carta de Amor - Maria Bethânia

Não mexe comigo que eu não ando só
Eu não ando só, que eu não ando só
Não mexe não

Eu tenho zumbi, besouro o chefe dos tupis
Sou tupinambá, tenho erês, caboclo boiadeiro
Mãos de cura, morubichabas, cocares, arco-íris
Zarabatanas, curarês, flechas e altares.

A velocidade da luz no escuro da mata escura
O breu o silêncio a espera. eu tenho jesus,
Maria e josé, todos os pajés em minha companhia
O menino deus brinca e dorme nos meus sonhos
O poeta me contou

Não mexe comigo que eu não ando só
Eu não ando só, que eu não ando só
Não mexe não

Não misturo, não me dobro a rainha do mar
Anda de mãos dadas comigo, me ensina o baile
Das ondas e canta, canta, canta pra mim, é do
Ouro de oxum que é feita a armadura guarda o
Meu corpo, garante meu sangue, minha garganta
O veneno do mal não acha passagem e em meu
Coração maria ascende sua luz, e me aponta o
Caminho.

Me sumo no vento, cavalgo no raio de iansã,
Giro o mundo, viro, reviro tô no reconcavo
Tô em face, vôo entre as estrelas, brinco de
Ser uma traço o cruzeiro do sul, com a tocha
Da fogueira de joão menino, rezo com as três
Marias, vou além me recolho no esplendor das
Nebulosas descanso nos vales, montanhas, durmo
Na forja de Ogum, mergulho no calor da lava
Dos vulcões, corpo vivo de xangô
Não ando no breu nem ando na treva
Não ando no breu nem ando na treva
É por onde eu vou que o santo me leva
É por onde eu vou que o santo me leva
Medo não me alcança, no deserto me acho, faço
Cobra morder o rabo, escorpião vira pirilampo
Meus pés recebem bálsamos, unguento suave das
Mãos de maria, irmã de marta e lázaro, no
Oásis de bethânia.

Pensou que eu ando só, atente ao tempo num
Começa nem termina, é nunca é sempre, é tempo
De reparar na balança de nobre cobre que o rei
Equilibra, fulmina o injusto, deixa nua a justiça
Eu não provo do teu féu, eu não piso no teu chão
E pra onde você for não leva o meu nome não
E pra onde você for não leva o meu nome não
Onde vai valente? você secô seus olhos insones
Secaram, não vêêm brotar a relva que cresce livre
E verde, longe da tua cegueira. seus ouvidos se
Fecharam à qualquer música, qualquer som, nem o
Bem nem o mal, pensam em ti, ninguém te escolhe
Você pisa na terra mas não sente apenas pisa,
Apenas vaga sobre o planeta, já nem ouve as
Teclas do teu piano, você está tão mirrado que
Nem o diabo te ambiciona, não tem alma você é
O oco, do oco, do oco, do sem fim do mundo.

O que é teu já tá guardado
Não sou eu que vou lhe dar,
Não sou eu que vou lhe dar,
Não sou eu que vou lhe dar

Eu posso engolir você só pra cuspir depois,
Minha forma é matéria que você não alcança
Desde o leite do peito de minha mãe, até o sem
Fim dos versos, versos, versos, que brota do
Poeta em toda poesia sob a luz da lua que deita
Na palma da inspiração de caymmi, se choro, quando
Choro e minha lágrima cai é pra regar o capim que
Alimenta a vida, chorando eu refaço as nascentes
Que você secou.

Se desejo o meu desejo faz subir marés de sal e
Sortilégio, vivo de cara pra o vento na chuva e
Quero me molhar. o terço de fátima e o cordão de
Gandhi, cruzam o meu peito.

Sou como a haste fina que qualquer brisa verga
Mas, nenhuma espada corta
Não mexe comigo que eu não ando só
Eu não ando só, que eu não ando só
Não mexe comigo


Módulo 2 em breve.

17 de abr. de 2013

Entrevista com um Budista Tibetano

Continuando a ideia de trazer entrevistas com praticantes das mais diversas religiões e doutrinas, para proporcionar um melhor entendimento das mesmas, hoje trago uma série de perguntas feitas a um budista tibetano, o budismo é uma religião muito vasta, com muitas divisões, muitas tradições diferentes e inserida em culturas bem diversificadas. O que chamou atenção no budismo tibetano para fazer um brasileiro, morador de uma terra tão distante, converter-se a esta tradição? Quais as particularidades desta religião? O que ela tem a nos ensinar? Cada um tem seu próprio caminho, que os outros devem respeitar, nada melhor que conhecer o caminho que os outros seguem, para entendermos melhor e quem sabe até nos surpreender nos identificando com uma tradição que nem tínhamos ouvido falar. Sem mais delongas, agradeço ao Luiz, nosso entrevistado de hoje e passo as perguntas.
 
1. Poderia nos explicar o que é o budismo tibetano e no que ele se difere das demais vertentes do budismo?

Existem diversas formas de se praticar o budismo, não necessariamente uma melhor que a outra, são somente linhagens diferentes que traduzem caminhos diferentes de buscar a iluminação. De uma forma simplificada poderíamos inicialmente subdividir o Budismo em Hinayana(veículo menor) que trata da iluminação individual e a busca pela budeidade em um âmbito pessoal e o Mahayana(grande veículo) que geralmente focam na iluminação de todos os seres sencientes (seres com consciência).
   O budismo tibetano se encaixa em uma nomenclatura chamada Mahayana , mas precisamente chamado de vajrayana, essa forma de budismo é resultado da religião Bon, uma religião xamânica tibetana anterior a chegada do Budismo no Tibet, do budismo mahayana em si e também é fruto de um isolamento cultural e geográfico que ocorreu durante séculos devido o difícil acesso ao tibet que fica em altas altitudes perdido entre desertos e o Himalaya. Dentre vários conceitos vale salientar os meio hábeis que falam do amor, compaixão e a importância de beneficiar os seres sencientes com atos reais, a importância da ligação com um lama professor que é responsável de trazer as lições do Buda que foram passadas a ele pela linhagem do mesmo, a prática do tantrismo e das visualizações como a deidade que se venera com o objetivo de cultivar as qualidades da mesma, a iluminação como caminho buscando a realização da forma mais rápida entre todas as tradições diferentes, etc.

2. Porque ser budista tibetano tão longe do Tibete? Como foi seu processo de conversão?

Por filosofia, pela busca da liberdade, pela fuga do Samsara. Particularmente refuto a existência de um Deus supremo que julga todos meus atos ou um juízo final, acho lógico a ideia dos reinos de existência e a prisão em uma realidade falsa e ilusória fruto dos meus desejos e da minha ignorância, busco no budismo o caminho para a iluminação. Eu próprio busquei  uma religião que chegasse próxima da minha visão de realidade e a que me trouxe respostas mais lógicas, científicas com menos carga supersticiosa foi o budismo tibetano.

3. O budismo eh uma religião sem Deus? qual o papel de Deus no budismo?

Não há uma opinião pacífica sobre sua pergunta. O própria Buda reconhecia a existência dos deuses (devas) e eles seriam seres que vivem em uma existência superior que podem interferir em nosso plano e viver milhões de anos dos nossos porém são seres comprometidos com assuntos diversos e sujeitos a em algum momento cair em existências inferiores novamente. O ideal é buscar sua própria iluminação através do caminho que você tiver melhor conexão, venerar e honrar os Budas, seres que já superaram o ciclo de reencarnações. Existem incontáveis deuses, eu ou você podemos já ter sido um deles e existem incontáveis Budas que na vacuidade encontraram o nirvana, a realização última.

4. Que dificuldades um budista tibetano enfrenta no Brasil?

Acho que existem várias dificuldades porém dois fatores são preponderantes para mim. O primeiro é o fator social, sentir que as pessoas não entendem, rejeitam ou fazem pouco caso das práticas e costumes que muitas vezes passamos a adotar, estranho a maioria ao meu redor. O segundo fator é o geográfico, muitas vezes é complicado viver plenamente a religião afastado dos lamas que admiro, longe dos ensinamentos e de seu olhar que é chave para o próprio sucesso da prática.


5. Fale-nos da mediunidade no budismo tibetano.

O que se entende por mediunidade está presente na verdade em todas as religiões ao redor do globo, no Budismo não é diferente. O fenômeno do tulku mostra pessoas que carregam lembranças e ensinamentos vivos de incontáveis vidas anteriores, os seres de outros reinos também podem interferir na vida das pessoas que podem ser fascinadas ou até possuídas, os dharmapalas (protetores) podem utilizar do transe de monges preparados para enviar recados e aconselhar sobre temas importantes ou em trazer revelações sobre o futuro, seres superiores também podem utilizar-se de médiuns para curar enfermidades diversas. São várias as manifestações coincidentemente semelhantes as com as que vivenciamos aqui em nossas religiões locais.




6. Explique o que é um tulku.

As pessoas cheias de desejos estão presas ao Samsara e renascem incontáveis vezes até encontrarem meios hábeis para a iluminação, elas vagam entre os seis reinos de existências empurradas pelo seu carma. O tulku é um ser que já alcançou a iluminação porém abdica de se tornar um Buda e continua renascendo incontáveis vezes nos diferentes reinos e emanando sua consciência de diversas formas para beneficiar todos os seres sencientes que como nós continuam presos ao ciclo de renascimentos.


7. O que você aconselharia a quem está querendo entender melhor o budismo tibetano?

Estudar, pois a doutrina é muito complexa e cheia de nuances, procurar conhecer conceitos filosóficos e práticas preliminares, buscar um professor de uma linhagem confiável, o vínculo com o mestre é necessário para o avanço espiritual. Indiferente ao dogma o budista deve cultivar dentro de si compaixão por todos os seres e buscar meios para ajudar todos efetivamente.

8. qual a diferença ou semelhança da doutrina de Buda para a de Jesus

    Jesus se apresentava como filho de Deus, ensinava o amor ao próximo e a caridade buscando como fim a salvação última, a vida eterna. Para muitos lamas inclusive o dalai lama seria Jesus um bodhisatva( um ser iluminado ) que veio trazer uma mensagem adaptada ao grau de entendimento daquela população em que estava inserido. A diferença em relação ao Buda é que Gautama não se dizia um Deus ou um enviado, ele sempre deixou claro que era um homem comum que alcançou através do esforço a própria iluminação e que se dedicava a ensinar  o caminho para os demais, pregava também a busca pela budeidade em benefício de todos os seres, a efetiva vontade em beneficiar todos desde os seres, infernais aos deuses que vivem em existências superiores, o fim último não depende de nenhuma divindade só da própria pessoa que alcança o shunyata (vazio supremo), o nirvana. Uma frase que expressa bem essa diferença na mensagem do Buda dita pelo próprio seria a seguinte: "Não é um Deus que julga as pessoas, mas é a própria pessoa que faz o julgamento de si mesmo."


À título de informação, a primeira imagem se trata da Deidade Chenrezig, a segunda do Lama Kalu Rimpoche na sua última vida e a terceira e última do lama Kalu Rimpoche na vida atual.

11 de abr. de 2013

Ordem da Santa Morte - A História de Micli





Era cansativo para ele o simples fato de ter que sair do local que fora preparado para que ele passasse todo o tempo, era como exigir de um velho cansado que novamente agisse como se fosse décadas mais novo. Ele não era velho, pelo menos seu corpo não era, possui apenas 21 anos, mas a velhice de que estava acometido não era a corporal, era o incrível cansaço mental que se sente quando se está tentando viver em meio a pessoas que não entendem nem um décimo de suas ideias e motivações. Era assim que o Micli vivia se sentindo, imagine-se tentando ensinar a um grupo de babuínos noções de filosofia e ciência e fará uma terá uma boa noção da dificuldade que ele tinha com a ordem que o protegia e adorava, os Filhos de Itz, conhecidos popularmente como a Ordem da Santa Morte.
Tal ordem se dizia diretamente sucessora da velha ordem sacerdotal do deus da morte do império Natharaya, cujo verdadeiro nome só seus seguidores conhecem, mas é comumente chamado de Micli, nome usado para se referir aos avatares do Deus reencarnam seguidamente para guiar a ordem. Desde a queda do império, durante a grande invasão dos Shards, os filhos de Itz acharam que Micli nunca mais encarnaria entre eles, pois não lhes era mais possível fazer os imensos rituais de sacrifícios necessários para agradá-lo a ponto de ele enviar um avatar. Muitas vidas eram ceifadas na ponta de seus imponentes punhais de obsidiana para trazer ao mundo uma encarnação do Micli, que os guiava e orientava por um grande tempo, e ao morrer, recomeçavam novamente os rituais para que o Deus novamente os presenteasse com uma encarnação.
Na verdade sobraram pouquíssimos membros da orgulhosa ordem sacerdotal de Micli com a violenta perseguição dos conquistadores, bárbaros inferiores que não compreendiam os valores do infinito e destruíram tantas práticas que eram realizadas para agradar os deuses e evitar o fim do mundo. Mas não foram destruídos por completo, salvaram seus ritos, muitos objetos sagrados e armas e se esconderam por séculos, primeiramente em áreas bárbaras, e posteriormente agregando-se ás cidades que foram surgindo, que serviram como ótima forma de proteção. Foi ficando cada vez mais difícil pois apenas legítimos descendentes dos Natharayas podiam ser membros, e o número ia diminuindo cada vez mais, principalmente devido à miscigenação. E tudo isso era agravado pelo fato de há muito tempo não receberem nenhum sinal do Senhor do Mundo inferior, o deus da morte, a quem serviam. Porém, certo dia receberam um sinal, após muito tempo o senhor respondeu aos clamores e anunciou um novo Micli, foi um sopro de vida para todos, pois já contavam com a extinção em poucas gerações. Após o primeiro sinal consultaram os oráculos para determinar onde e quando nasceria o próximo Micli, e qual não foi o espanto de todos, ao verem que era um mestiço, filho de um sacerdote da ordem com uma mestiça lavadeira. Vários se revoltaram e não quiseram aceitar, mas era inquestionável, os sinais do senhor do submundo não era passíveis de engano, o garoto nasceu e foi aceito como Senhor por todos.
Quem quer que tivesse dúvidas sobre a autenticidade da encarnação, teve total certeza quando o garoto cresceu, era exatamente como os registros dos Micli anteriores, as mesmas habilidades, os mesmos poderes. Havia apenas uma única diferença, disse ele que tinha vindo para colocar a ordem em uma nova era, deviam a partir de agora aceitar membros de qualquer raça, pois só assim sobreviveriam para cumprir os desígnios do grande deus. Aceitaram, e isso valeu a sobrevivência da Ordem de Itz. Porém, não era a única grande transformação por qual teriam que passar.
O Micli que fez essa grande mudança, partiu de volta aos 74 anos de idade, deixou para trás uma ordem de seguidores bem maior, formada por Natharays, outras etnias de nativos de Selgaor e inclusive, pessoas de várias nações Shards e até mesmo de Povos Xamânicos. Quando partiu, começaram secretamente os novos rituais para convocar um novo Micli, mas só haveriam de obter resposta novamente quase 300 anos depois. E dessa vez, a surpresa seria maior ainda. A ordem a esse tempo se espalhara por Selgaor e Lasmianer, onde, apesar de haver tantos descrentes, algumas pessoas importantes eram adeptas do Senhor da Morte, e no local onde antes se ergueu a grande Capital Natharaya, Nathattlan, agora havia a cidade sede da Ordem Kale, fundada pelos invadores do império, onde, por incrível que pareça, muitas pessoas cultuavam uma versão moderna do velho senhor da morte. Então, o impacto não foi tão severo quando os sinais indicaram que o novo Micli teria como mãe uma descendente dos Shards invasores, ela era bastante importante na ordem por ser esposa de um dos membros mais importantes, que havia falecido poucos meses antes deixando-a grávida, grávida de um avatar. Um novo Micli ia chegar, em três meses, não havia muito tempo para se acostumar com a idéia.
Todos estavam completamente acostumados com as mudanças trazidas pelo último Micli, portanto as novas e profundas mudanças que o novo traria, foram recebidas com igual estranheza.
Aos 3 anos de idade, ele já sabia que todos o consideravam muito especial, e sabia porque, suas primeiras frases já demonstravam uma imensa superioridade intelectual. Aos 5 anos ele foi apresentado a Vó Nanda, uma velha membro da ordem que não estava mais em atividade, mas que era a pessoa mais qualificada para fazê-lo dar um salto no seu entendimento e nas suas capacidades, ela era uma parteira, parteira de espíritos. Ele precisava trazer a tona toda a capacidade de sua alma para poder desempenhar sua missão, isso aconteceria naturalmente no decorrer da vida, mas, quanto antes, melhor.
A velha o fez mergulhar dentro de si próprio para achar respostas para suas perguntas, o sentido de sua missão. Ele é muito grato a ela até hoje. Ao concluir, se tornou perfeitamente apto a fazer aquilo por que viera, custasse o que custasse.
Lembrou a primeira vez que os membros se reuniram para lhe ouvir. Muitos dos presentes eram idosos e não imaginavam que teriam a sorte de ver Micli encarnado antes de partirem, parecia irreal, e todos os presentes consideravam-se seres de imensa sorte por presenciarem aquele momento. Mas as coisas que o Micli viera fazer não agradariam a todos.
--- Filhos de Itz, leais seguidores a tantos séculos, aqueles corajosos o suficiente para abraçarem a morte ao invés de dela fugir --- Começou ele em seu discurso --- Sei que muito sofreram todo esse tempo e eu estive sempre de vosso lado, as transformações e adaptações pelas quais tiveram que passar, não foram das mais fáceis. Mas saibam, que a morte é arauta suprema da transmutação, o universo precisa estar sempre mudando, renascendo, e para renascer, precisa morrer, vocês sabem que nada morre, apenas passa a ser outra coisa, que também irá mudar e mudar, nos infinitos círculos. Vós pois, que servem a morte, não devem temer a mudança, pelo contrário, devem tê-la como algo sublime, que os faz evoluir, e tudo que não evolui, acaba esquecido no tempo, então, só morre realmente, aquele que se nega a morrer, porque sem morrer você jamais se adaptará a novos ambientes. Vocês sabem, que o Micli nunca vem em vão, nenhuma das vezes que vim antes foi em vão, eu vim para trazer mudanças, que irão mudar os Filhos de Itz, e torná-los aptos a sobreviverem toda uma era. Serão mudanças profundas, mas que de forma alguma abalará os princípios da ordem, pelo contrário, vim para restaurar os costumes que fizeram de vocês os honrados seguidores do Senhor da Morte. Quando vim da última vez, a Ordem estava para ser extinta, minha missão foi alterar alguns costumes para resguardar sua sobrevivência, qualquer outra coisa que tivesse feito além disso, teria condenado os Filhos de Itz para sempre. Então, da última vez, não pude restaurar os verdadeiros costumes dos adeptos de Micli, por isso retornei. Fico ora triste, e ora verdadeiramente indignado ao ver como o contato com outras ordens através desses séculos alterou a forma de agir de vocês. De sacerdotes guerreiros corajosos da antiguidade, tornaram-se apenas mais um grupo de covardes que sacrificam aquelas pessoas que não podem se defender. Onde está a honra e o mérito nisso? Micli se envergonha profundamente cada vez que lhe é oferecido um mendigo ou indigente em um altar. Ou quando lhe oferecem um escravo comprado no infecto mercado negro. Isso deve mudar, para que eu volte a ter orgulho daqueles que me seguem. Por isso, venho lembrá-los os velhos costumes, velho lembrá-los como um homem mata e como um homem deve morrer. A partir de agora, serão considerados traidores, e caçados e exterminados, todos aqueles que realizarem sacrifícios sem mérito. Só pode realizar um sacrifício, aquele que caçar e capturar uma pessoa digna de ser sacrificada, alguém que tenha poder igual ao seu, alguém que tenha coragem e bravura, que por seus meios você enfrente e capture com vida. Será que esqueceram a velha lição dos ancestrais? Quando você sacrifica alguém, absorve os vícios e virtudes daquele alguém, Os Filhos de Itz passaram séculos absorvendo a energia de medrosos, covardes, inocentes e indefesos, e isso não será mais tolerado, pelo próprio bem de vocês e pela honra do Senhor a quem servem. Não sacrifiquem em vão, isso apenas traz más energias sobre vocês. Sacrifiquem apenas aqueles de quem tiverem orgulho de absorver a essência, como faziam os antigos. Que cada sacrifício seja motivo de grande honra, de grande satisfação para aquele que o realizar, que tenha uma razão de ser, e não seja apenas algo automático como uma obrigação religiosa. Isso não é um conselho, isso é uma ordem, porque vocês são o seguidores de Micli, e como tal, devem fazer as coisas da forma que Micli Ordena. Quem descumprir esses preceitos, deverá ser caçado e eliminado, porque não será mais um Filho de Itz, e sim um renegado. Acredito que por hoje já foi o suficiente, absorvam os ventos da mudança, antes que ele os arranque de suas terras e os sacudam às margens da histórias. Que a noite toque suavemente suas frontes e as trevas exteriores lhe façam enxergar a luz dentro de si. Até breve. 



Isso era algo constante em sua vida, ás vezes parava e simplesmente tudo que já havia acontecido passava como um filme, jamais esquecia nada, nem mesmo o mínimo acontecimento do mais insignificante dos seus dias, ou noites, pois o Micli, como avatar do senhor das trevas, jamais vira a luz do dia, e isso era-lhe tão natural quando o é para uma pessoa comum trabalhar durante o dia e dormir a noite. Claro que limitava seus movimentos, sempre precisava estar em locais especialmente preparados para ele, totalmente vedados da luz do dia. E quando precisava sair, não lhe era muito cômodo.
Por isso naquele dia seu humor não estava dos melhores, além de precisar sair, o motivo não era nada divertido. Garuanos, sempre causando problemas, isso foi contra todas as imensas cautelas do conselho da Ordem, mas ele resolveu ir encontrar pessoalmente os representantes da Ordem dos 7 Dias, vários ao seu lado para dar segurança, como se ele precisasse mesmo ser protegido, como se a morte precisasse ter medo de alguma coisa.
Saiu de seus aposentos na cidade de Garu poucas horas após o anoitecer, usando três carruagens, em um ia ele com seus seguranças mais próximos, e nos outros dois, mais alguns para servir de reforço. O encontro se daria em um velho castelo abandonado nos arredores da cidade. Parecia ser um campo neutro, mas não era, o lugar em si pertencia aos Filhos de Itz, indiretamente. O palco estava preparado, faltava apenas os artistas e o show. 
 


Muitas pessoas na rua estranharam aquelas três carruagens idênticas seguindo umas as outras em grande velocidade, mas ele não se importou nem um pouco, as pessoas tem o direito de achar estranho o que quer que queiram assim considerar, e isso não lhe dizia respeito. Ao chegarem aos terrenos do castelo, havia alguém para recepcioná-los, era um membro da ordem, ele orientou o Micli e sua comitiva a seguirem por uma escada localizada no lado esquerdo do imenso castelo, e seguirem por um túnel de tamanho considerável. Chegaram em um amplo salão branco com rodapé de mármore verde, havia do lado direito uma discreta recepção, esquerdo apenas paredes de pedra e o acesso a um largo corredor e ao centro duas imensas portas que davam para um auditório, o próprio salão em si possuía várias poltronas forradas com peles, como se fosse destinado a reuniões informais e momentos de espera.
Havia uma pessoa na recepção, era uma jovem adepta, quase a mesma idade do Micli, ela levantou-se apressadamente e falou:
--- Eles já estão esperando, está tudo pronto.
--- Obrigado, Ellen --- Respondeu diretamente o Micli, o que fez a jovem ter um imenso sobressalto de surpresa, tanto por ele falar com ela assim de forma tão informal, quanto por lembrar seu nome.
A maioria dos que o acompanhavam se distribuíram de forma uniforme pelo salão, apenas 3 entraram com ele, estes eram membros efetivos e importantes da Ordem, especialmente escolhidos para aquela situação, motivo que os deixava imensamente honrados.
Passaram pelas largas portas de madeira em direção a porta que ficava ao fim do corredor, estava fechada. Primeiro, um dos acompanhantes a abriu, deixando que os outros dois entrassem cada um de um lado do Micli. Era uma sala de tamanho médio e confortável, ao centro havia uma grande mesa oval, com cerca de 12 cadeiras ao seu redor, as paredes estavam nuas, sem pinturas ou tapeçarias de qualquer tipo. A um canto havia uma elegante mesa de mármore onde haviam vários tipos de bebida. Esses foram os detalhes que primeiro chamaram a atenção do Micli, só depois ele reparou as três pessoas sentadas na mesa oval, eram dois homens e uma mulher, todos vestidos de forma que deixava obviamente claro que eram habitantes da cidade de Garu, roupas próprias para as grandes altitudes onde a cidade era localizada, estando a ponto de ter uma severa crise de suor naquele ambiente subterrâneo e quente.
A mulher era velha e vestia um vestido preto que lembrava as vestes de séculos passados, possuía muitas rugas e não usava nenhuma maquiagem, na cabeça, um típico chapéu usado por damas garuanas que saíra de moda há algumas décadas e que apenas a rainha poderia usar sem que a taxassem de brega. Dos homens um aparentava mais de 70 anos, sendo que o único sinal que conservava se juventude eram os olhos vívidos e profundamente interessados no ambiente ao redor. O outro era um rapaz que não teria mais de 30 anos e parecia não estar muito confortável no local. Além deles, havia uma simpática velhinha uniformizada de copeira que estava servindo-lhes bebidas.
Assim que o Micli entrou, todos se levantaram e esperaram que ele se dirigisse a um dos pólos da mesa, o que ele fez, ao seu lado sentou-se Castres, o membro da ordem que segurou a porta para os outros entrarem, ele era como uma secretário, e iria traduzir o que Micli falasse para os presentes entenderem. Os outros dois, ficaram de pé por trás da cadeira do Micli. Assim que os recém chegados se acomodaram, os que já se encontravam lá também sentaram-se, eram os membros da 7 dias, o senhor de idade, que parecia estar no comando, foi o primeiro a falar:
--- Desejamos uma boa noite ao Senhor, é realmente uma grande honra sermos recebido. Eu me Chamo Arthur, essa senhora ao meu lado é minha esposa Annenn, ao lado dela está Pater, um de nossos mais jovens e talentosos membros. Como deve saber, nós também somos uma organização que o veneramos, apesar de não contar com sua presença física.
--- Suposta presença física --- Acrescentou o rapaz jovem, o que provocou um olhar de reprovação dos outros. --- Entenda Senhor, não podemos chegar aqui e considerar que alguém é um Deus apenas porque uma Ordem descendente de Aborígenes o considera como tal.
Houve um movimento de indignação de Castrés e um dos jovens que estavam de pé, que entenderam perfeitamente o que disse o rapaz inglês. O Micli também percebeu, não era difícil ler no rapaz o que rondava-lhe os pensamentos, mas ele fez apenas um movimento de mãos e os outros dois imediatamente voltaram ao normal:
--- Apenas traduza Castrés.
Castrés traduziu procurando amenizar as palavras ásperas que foram proferidas, enquanto a mulher explicava:
--- Alguns dos nossos jovens não entendem certas coisas antigas, veneramos ao senhor da morte e o honramos com o que ele precisa de nós, mas não sabemos se o Senhor é mesmo um avatar dele, não viemos para negar, nem para afirmar, viemos para saber o que tem a nos dizer.
Castrés prontamente traduziu para o Micli, que respondeu:
--- Você afirma que seu grupo honra o Senhor da Morte com o que ele precisa de vocês, o que o Senhor da Morte precisaria de mortais?
A velha ficou surpresa com a pergunta, mas respondeu prontamente:
--- O Senhor já deve saber, oferecemos-lhe o sangue, derramamos sangue em sua honra para que assim caiamos nas suas graças.
Castrés traduziu e ele mesmo ficou surpreso quando o Micli começou a rir enquanto falava:
--- O maior erro de sua raça é achar que os Deuses precisam de vocês. Acredite, eles não precisam, nenhum deles. E eu sei o que vocês fazem, posso ver claramente as imagens em cada uma de suas mentes, crianças, de Yghatur não é? Vocês traficam crianças negras para oferecerem em seus altares. É uma boa estratégia?
Pela primeira vez todos se espantaram com a forma como Micli falou, o velho precisou tomar um longo trago do copo de vinho que estava a sua frente, e todos quiseram falar ao mesmo tempo, mas ele fez com que se calassem e falou:
--- Sim Senhor, é uma boa estratégia, ninguém lá sente falta delas, e ninguém em Garu se importa, as vezes temos alguns problemas legais, mas nada que um pouco de ouro não resolva. Qual o sistema que utilizam aqui? Será um sistema melhor? O que Sacrificam?
--- Entendo --- Falou pausamente o Micli. --- Aqui não sacrificamos mais pessoas, atualmente sacrificamos abutres.
A reação foi imediata e nem mesmo o velho conseguiu segurar os vários comentários:
--- Abutres? --- Falou o jovem --- Isso é uma piada, pensei que pelo menos tivessem alguma seriedade.
--- Senhor? --- Perguntou a velha senhora --- Que propriedade mágica teria um abutre?
Arthur acalmou os ânimos de outros e se dirigiu a Castrés:
--- Por favor, gostaríamos apenas que o senhor explicasse a questão dos abutres.
Castres voltou-se incrédulo para o Micli e repetiu o que Arthur disse, a resposta foi imediata:
--- Sinto que não tenham feito a associação lógica correta senhores, saibam que matar um abutre simboliza a extirpação de algo que entrava o desenvolvimento do mundo, o que gera muitas energias boas para beneficiar quem o faz.
Ao ouvirem a tradução do que o Micli fala, todos ficaram surpresos, era óbvio que realmente havia um sentido profundo, aquilo parecia realmente ter vindo de uma inteligência superior. Annen pediu a palavra, e se dirigindo ao Micli, falou:
--- Voc... O Senhor falou algo sobre ler as coisas em nós, por acaso possui alguma capacidade telepática?
--- Eu possuo muitas capacidades Annen --- Respondeu o Micli, e a maioria delas prefiro não nomear. Mas consigo ver sim, eu vejo os sacrifícios que já realizou, que Arthur realizou, vejo que até o jovem Pater já fez alguns sacrifícios. Vejo como se sentem em relação ás vítimas, não vêem-se sacrificando seres humanos, para vocês, as criancinhas negras são como animais, é esse o valor que lhes atribuem. Se vocês criaturas mortais estúpidas condenadas a padecerem a morte conseguem considerar um ser completamente idêntico a vocês como um animal? Porque acham que o Senhor da Morte receberá esse ser como se fosse um ser humano?
Castres hesitou em traduzir o que Micli falara, mas jamais ousaria alterar alguma palavra, e o que disse produziu imenso impacto nos garuanos. Agora não era apenas Pater, os outros estavam visivelmente desconfortáveis em estar ali, diante da vacilação de Arthur, Pater tomou a palavra e falou:
--- Acho que houve um engano, não há afinidades de pensamento entre nossas ordens, estamos saindo agora, com sua licença.
Fez que ia levantar, e os outros o acompanharam, mas por algum motivo fizeram apenas o gesto inicial e voltaram a sentar novamente, porém, sua expressão era de um imenso susto e não de alguém que havia resolvido permanecer no recinto. Pater abriu a boca como para vociferar um xingamento, mas não saiu voz alguma.
--- Senhores. --- falou o Micli usando com perfeição o idioma da velha Viskoya, ainda utilizado em Garu. --- Acredito que não havia hora mais oportuna para isso acontecer. Perdoem não lhes ter falado diretamente até agora, mas não me acho em posição de discutir com moscas como vocês, além do que, não tenho lá muitos entretenimentos e fingir que não os entendia foi algo realmente divertido.
Os três agora mal moviam os olhos, os corpos estavam completamente paralisados. Nisso, o Micli se levantou, deu um amplo sorriso, soltou o sobretudo de forma que seu peito ficasse completamente exposto e puxou da cintura uma pequena adaga de obsidiana.
--- Olhem isso --- Disse segurando a adaga --- Relíquia de tempo passados. No tempo antigo, ela serviu para ceifar a vida de muitos homens, era a época em que apenas homens era dignos de serem sacrificados, um tempo em que haviam muitos bravos, honrados e poderosos homens, este é o legado do sacrifício. Legado que vocês traíram, ao sacrificar pessoas indignas e desmerecedoras de serem sacrificadas. Vocês são os abutres, e hoje essa lâmina eliminará abutres, para que os valores dos homens de honra continuem de pé. Claro que isso não precisa ser feito por minhas mãos, é apenas um acontecimento natural da mudança de era. Mas existe um abutre que não posso perdoar, aquele que vasculha a carniça e diz fazer isso em meu nome.
Todos os que estavam o acompanhando, inclusive Castrés, apenas observavam. O Micli, então, dirigiu ao visitante que estava mais próximo, Arthur.
--- Arthur, velho Arthur. Alguma vez pensou em como iria morrer? Tenho certeza que após tanto tempo de convivência você e Annen pensaram como seria bom se morressem os dois juntos. Eu sou a morte Arthur, estou concedendo-lhe esse desejo --- Disse enquanto cortava a garganta dos dois mais velhos com um único movimento da adaga.
O Sangue dos dois se espalhou, uma parte considerável jorrando no peito nu do Micli e também manchando seu sobretudo. Faltava apenas Pater, o Micli aproximou-se dele e acariciou seu rosto ternamente.
--- Jovem Pater, poderia ter sido um homem valoroso com a educação correta, mas se tornou uma criança mal comportada. Sabe, eu realmente não gostei da forma como se dirigiu a mim, foi realmente muito, muito ofensivo. Por isso lhe darei um prêmio, sei que você é muito fascinado por essa história de sacrifícios, sabe como os velhos ancestrais dos Filhos de Itz sacrificavam suas vítimas? Vou lhe ensinar, não era essa coisa piedosa de cortar a garganta.
Ao falar isso, Micli abriu a parte superior das vestes do Jovem, deixando-o com o peito exposto. Limpou a adaga do sangue dos outros percorreu a ponta da mesma pelo peito do rapaz, provocando um leve arranhão.
--- Bem aqui abre-se o corpo, e arranca-se o coração para fora com as próprias mãos. Entendeu jovem?



Pater não podia responder, mas de repente sentiu os movimentos do corpo voltando. Nem mesmo acreditou que aquilo estava acontecendo, pensava que poderia pegá-los de surpresa quando o Micli falou:
--- Não ache que isso está fora dos meus planos. --- Disse enquanto com um aceno das mãos, desfez a magia que mantinha Pater preso a cadeira, o que o fez desabar de quatro no chão pelo efeito surpresa. --- Te ensinei como um homem morre, agora vá, corra, estou lhe dando uma chance de viver.
Pater não esperou segunda ordem, saiu desabaladamente em direção a porta, passando desesperado pelos três membros da Ordem e a velhinha que servia as bebidas, que também era uma membro da ordem disfarçada. O Micli então, dirigiu-se a um dos seus acompanhantes e entregou sua adaga, falando:
--- Acabei de ensinar aquele rapaz como um homem morre, vá atrás dele e ensine-o como um homem caça.  

 
O rapaz pegou a adaga, o que era considerado uma grande honra, usar uma arma que pertencia ao próprio Avatar, e saiu rapidamente no rastro do inglês. Após concluir tudo, a imensa vivacidade que tomou conta do Micli naqueles momentos de repente o abandonou, e ele voltou novamente a ter aquele ar de quem estava pensando em algo muito distante. Castrés se aproximou dele cautelosamente e falou:
--- O Senhor concluiu? Deseja retornar agora, quer fazer algo antes?
--- Quero retornar sim Castrés. Preciso tomar um banho, tenho mais um encontro essa noite.
--- Mais um encontro? O Senhor não havia falado. Quantos de nós irá precisar?
--- Nenhum Castrés, vocês não estarão presentes, apenas me leve para casa.
Castrés convivia com Micli tempo suficiente para não fazer perguntas adicionais, Apenas deu sinais para o que cada um dos rapazes presentes devia fazer e passou a providenciar o retorno. Enquanto isso, o Micli pensava no encontro que teria logo mais, ele esperava que acontecesse, mas talvez a outra parte não fosse capaz de chegar no local onde se daria.